Há dias, um amigo chegou e disse "acho que vou perder a casa, acho que tenho de dar a casa ao banco". Num acesso de misericórdia, não relembrei conversas passadas, bate-bocas em que ele gozava com a minha "paranóia contra os bancos" e com a minha "obsessão idiota com o aluguer de casa". Ele achou que ficar preso a 40 anos de empréstimo bancário era a solução. Tal como milhares de outros portugueses, o meu imprevidente brother não parou para pensar no seguinte: em 30 ou 40 anos, a economia vai e vem, logo, o emprego também pode ir e vir, mas aquele empréstimo fica sempre no mesmo sítio; é um encargo demasiado rígido para a vidinha. Se tivesse parado cinco minutos para pensar, talvez o meu amigo tivesse compreendido, em tempo útil, a "obsessão idiota com o aluguer de casa".
Agora o meu amigo vai ter de lidar com as consequências da sua escolha. Mas, caramba, o banco também devia ser obrigado a enfrentar as consequências das escolhas que tomou. Se o meu amigo perder a casa, o banco devia perder alguma coisa, que é como quem diz 0,00000000000000000000000001% do seu capital. Sim, o meu patrício deu um passo maior do que a perna, mas a maior irresponsabilidade foi cometida pelo banco. Como é que o banco passou cheques a jovens de vinte e poucos anos e sem emprego-para-a-vida? Como é que bancários e banqueiros puderam ser tão idiotas? Aqueles MBA serviam para quê? O banco do meu amigo e os restantes cometeram, durante décadas, uma irresponsabilidade histórica, e agora têm de ser chamados à responsabilidade. Não se podem ficar a rir.
E não se podem ficar a rir por duas razões de ordem moral (sim, há vida para lá do Excel e do MBA). A primeira parte da seguinte pergunta: após entregar a casa ao banco e após perder o restante património igualmente penhorado para saldar a dívida, uma pessoa merece continuar presa ao empréstimo inicial? Não, não merece. Perder a casa e o restante património é sentença suficiente. Permitir que o banco continue a penhorar o vencimento da pessoa após aquela dupla penhora cheira a escravatura bancária. E este ponto já está relacionado com a segunda questão: como qualquer actividade económica, a actividade bancária pressupõe uma dose de risco, mas, no caso dos empréstimos bancários, os bancos não têm qualquer risco. Numa primeira fase, dão dinheiro a quem não deviam dar, assumindo um risco temerário. Depois, quando as coisas começam a correr mal, os bancos exigem que pessoa continue a pagar o empréstimo até ao último tostão mesmo quando a casa e o restante património já foram penhorados. Por outras palavras, os brincalhões com MBA estão numa actividade livre de risco. Isto não está certo. Se o meu amigo perder a casa, a malta do MBA tem de perder 0,00000000000000000000000001% do seu capital.
(Henrique Raposo, in Expresso)
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