domingo, 19 de abril de 2009

Parece que é mas não é...

Percebendo que estava a perder o pé, depois das conclusões do G20 e do debate que se está a fazer em Portugal sobre as propostas de combate à corrupção, o Governo inventou ontem um arremedo de proposta vinda do nada sobre o levantamento do sigilo bancário. O que existe, e é tudo, é um comunicado do conselho de ministros dizendo que foi aprovada uma proposta - na generalidade, para consultas. O texto parece saído do Inimigo Público, mas cumpriu uma das suas missões. Lançar a confusão.
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Ao longo do dia percebeu-se que o Parlamento aprovou uma proposta do Bloco e o Governo apresentou outra, antagónica, restando ainda a surpresa de ver a bancada socialista defender uma terceira versão, argumentando Vera Jardim - que fez as despesas da bancada - que as propostas do PS vão “mais além” do que as do governo. É verdade. O que ontem foi anunciado no Conselho de Ministros tem um nome. Baralhar e voltar a dar.
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Diz o Governo que pretende levantar o sigilo bancário apenas nos casos em que se detecte um aumento patrimonial injustificado superior a 100 mil euros. Mas, como é que o fisco conhece a alteração do valor patrimonial sem ter acesso, prévio, à entrada de créditos na conta bancária? Pela imprensa, diz Teixeira dos Santos sem se rir. Já tinha avisado, isto parece saído do Inimigo Público. Mais apalhaçado fica quando se percebe que, de acordo com o governo, o acesso às contas só acontece quando respeita a dinheiro recebido ilegitimamente - podendo então estes ser sobretaxados a 60%.
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Muito bem, então e o dinheiro ganho legitimamente e que não paga impostos? Não é assim tão pouco como isso. Quem foi a um médico ou dentista e tenha recebido a surpresa de, solicitando a factura, receber como troco que “então são mais 21%”, sabe bem do que se está a falar. O sigilo bancário protege, acima de tudo, a evasão fiscal, mas o governo andava desesperado para aparecer na fotografia do combate ao enriquecimento ilícito. Nem uma coisa nem outra. O documento, nas escassas linhas que se conhecem, é um contra-senso.
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Mas há outro assunto que importa esclarecer. O levantamento do sigilo bancário, colide, ou não, com a privacidade dos cidadãos? Depende. Se permitir o acesso aos movimentos bancários aos funcionários tributário, como ontem defendeu o líder parlamentar do PS, é bem possível. Se, pelo contrário, não for discricionário mas geral, e registar apenas a entrada de créditos nas contas não vejo - como ontem defendeu Lobo Xavier na Quadratura do Círculo - onde é que isso possa violar a privacidade de alguém.
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Qual é o problema do fisco saber que fulano x tem 500 mil euros na conta, mas declara rendimentos anuais de 20 mil? Se temos que declarar os rendimentos, nada mais normal que tornar públicas as receitas sem, e isto é importante, as discriminar.
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É a diferença entre o projecto do Governo e o do Bloco - em tudo idêntico ao quadro legal vigente em Espanha. Onde o primeiro é casuístico e discricionário, permitindo a devassa das contas dos poucos que caiam nas mãos do fisco, o segundo garante o anonimato, a prevenção de que fala Cavaco Silva e a informação relevante para que o fisco faça o seu trabalho. Assim as vozes que ontem se levantaram na bancada do PS não permitam que o Governo consiga o seu segundo objectivo. Permitir que tudo fique na mesma.
Seria a pior notícia possível para o combate à evasão fiscal.
Pedro Sales
in Esquerda.Net

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