Tanta expectativa na comunicação social e por parte dos comentadores políticos face ao discurso de Passos Coelho no encerramento da Festa do Pontal só poderia redundar numa tremenda e angustiante desilusão.
No que respeita á substância, o discurso de Passos Coelho merece quatro notas:
a) Passos Coelho - finalmente! - saiu do armário. De facto, o discurso de hoje mostra uma inversão do discurso de Passos Coelho no que respeita ao assumir descarado da sua orientação ideológica. Até então, Passos Coelho negava que a aplicação do programa da troika representasse a aplicação de um programa ideológico-programático igualmente perfilhado pelo Governo. O Governo nunca assumiu que a troika era apenas uma bengala para aplicar o seu programa (supostamente) neoliberal. Esta noite, Passos Coelho referiu expressamente que se identifica com o programa da troika, com o imperativo de ir para além das exigências da troika: o programa ora aplicado é para ser levado a sério e não admite retrocessos. Portugal não voltará, segundo Passos Coelho, ao modelo anterior. Tendo em que conta que o governo refere que não tem margem de manobra política e se limita a aplicar o programa da troika, isto significa que o Governo entende o futuro de Portugal deve ser escrito exactamente como a troika manda. Sem reservas . Ora, só que este discurso não deve ser partilhado pelo outro partido da coligação: é que Paulo Portas -eu lembro-me - só subscreveu o memorando de entendimento colocando reservas...
b) Em segundo lugar, mais uma vez, a economia esteve ausente do discurso de Passos Coelho. Dir-se-á que Passos Coelho mencionou a reforma do Código de Insolvência, da lei da concorrência e outras reformas estruturais sem as nomear. Mas é curto. Muito, muito curto. Para já, é estranho que Passos Coelho fale muito do futuro no discurso - e na área económica se limite a falar do passado. Do pouco (muito pouco) que já fez. Mas alguém acredita que é a lei da concorrência que vai aumentar o PIB nacional e diminuir o desemprego em Portugal? Sobre o desemprego, Passos Coelho não referiu uma única palavra. No entanto, Passos Coelho não se coibiu de prometer que em 2013 não haverá uma recessão. Ora, esta promessa, atendendo à actual conjuntura económica, carecia de maiores explicitações por parte do Primeiro-ministro. Porque das duas, uma: ou é um acto de irresponsabilidade que poderá sair politicamente caro; ou é uma afirmação feita com convicção e dados seguros. Passos não quis comprometer-se quanto aos meios (ou seja, as medidas económicas a adoptar); mas comprometeu-se com o resultado. O que não joga com a atitude de precaução política constante de Passos Coelho;
c) Passos trouxe para o discurso o tema da meritocracia. Ora, muito bem, se fosse verdade que os portugueses sobem na vida pelo seu mérito, seria de aplaudir esta referência de Passos Coelho. O problema é que nós sabemos que não é assim: os especialistas, os compadres de Miguel Relvas continuam a dominar o Estado. E um Primeiro-ministro que mantém Miguel Relvas como braço direito não pode falar de seriedade ou de mérito;
d) Passos Coelho, por fim, já deixou antever oq eu vai acontecer: os impostos vão aumentar como resposta à decisão do Tribunal Constitucional. Os portugueses, as empresas, a economia portuguesa não vão aguentar. Ninguém percebe que os limites já foram ultrapassados há muito?
O texto já vai longo. Uma nota final para acrescentar que o aspecto positivo que encontrei no discurso de Passos prende-se com as fundações: Passos garantiu que não vai ceder a pressões na decisão de extinguir as fundações que se revelam contrárias ou inúteis para o interesse público.
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